quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

O Palácio! - " Make a chrysanthemum of every human head "


O Palácio!















Foto 1: Pormenor da limpeza das madeiras do salão Árabe

Fará sentido falar do Salão Árabe sem se referir Palácio que o alberga?

E “referir” não será demasiado ligeiro para um objecto com a envergadura social e política e que a arquitectura e as artes materializaram em si? Assim, e se “Tudo quanto a arquitectura nos dá a ver e a usar é significativo do viver histórico – e condiciona esse viver nas opções que realiza e revela, quer dizer, nas afirmações que faz”1 , realmente não podemos ficar por uma abordagem ligeira. De forma resumida, como surge o Palácio da Bolsa?

Tradicionalmente os negócios aconteciam fisicamente em espaços urbanos e a partir do pregão a viva-voz 2 ; a designação de “praça” anda em paralelo com a de “bolsa” e têm em comum o fim: “local de reunião e assembleia de mercadorias ou de gente ligada ao mundo do comércio, local onde se possa comercializar e fazer comercio” 3 .

Em termos históricos, e apesar de se ignorar a data, sabe-se que a “bolsa” do Porto foi oficializada por D. Dinis e reestruturada em 1387 por D. João I 4. A reestruturação feita por D João I deu origem à “Casa da Bolsa do Comércio” e que se localizava na actual Rua do Infante que, à época, era designada de Rua Formosa 5. Com o desaparecer da Casa da Bolsa do Comércio os mercadores portuenses viram-se obrigados a discutir os seus negócios ao ar livre, na Rua dos Ingleses, passando a “bolsa” a chamar-se de Juntina ou Juntina dos Ingleses: a congregação que nos finais do Séc. XVIII reunia os homens de negócios do Porto para defesa dos seus interesses 6.









                                                          
                                                                    Fig 2 -A Juntina da Rua dos Ingleses

Perceber a sua génese passa por perceber a transição do setecentos para o oitocentos e o séc. XIX em Portugal.

“1755, no 1º de Novembro, o Terramoto. O mundo português, nas estruturas de classes, do rei ao Governo, da nobreza ao povo, é posto à prova no terror desse dia e dos meses seguintes” 7 . A mudança de ideologia e a manifestação do decaimento do ancien régime andam de mãos dadas com a reconstrução de Lisboa e a materialização de tal situação tem o seu máximo na mudança de nome do “Terreiro do Paço” 8 para “Praça do Comércio”. Este é o facto ideológico mais importante do pombalismo: “Ao rei e à corte sobrepõe-se uma nova classe privilegiada que faz o comércio necessário ao País em “reformação”; mas a estátua equestre que desde os primeiros planos de 56 se previa impõe-lhe o rei no seu centro. (…) a sua existência é que conta para pontuar a monumentalidade da praça nova, numa relação politica que ignora a corte dos nobres”  9.


Fig 3 : Gravura Colorida do séc. XVIII: Projecto para a Praça do Comércio



A transição para o séc. XIX em território nacional é manifestamente apreensiva. O paradigma dessa confusão está bem patente em dois edifícios que são quase inaugurados ao mesmo tempo: depois de Pombal e da sua afirmação e proteccionismo comercial, dois monumentos com programas, funções e estilos distintos, conseguem explicar o arquétipo do fim de século.

Fig 4: D. Maria I
Fig 5: A Basílica da Estrela


A Basílica da Estrela é concluída em 1790 e a Ópera de S. Carlos é inaugurada em 1793. Com a basílica, obra da rainha D. Maria I, sobreviveu também o gosto barroco da Igreja de Mafra 10. Mas a Ópera de S. Carlos é uma obra verdadeiramente “moderna”, actual e consolida em si os valores que se projectam em pleno Oitocentos; “Ao barroco opõe-se o neoclássico: para este passou um tempo que não passou para aquela. Porquê?” 11.
D. Maria I pretende uma continuidade extemporânea do poder régio joanino e josefino, eliminando toda a interferência que entretanto havia sido imposta por Pombal. Na “Viradeira” ou “Ressurreição dos Mortos”, designações do momento político, “ Um estilo recuperado representa mais, sem dúvida, que alguns fidalgos velhos tirados da Junqueira: (….)” 12 . Por outro lado
                                                                         Fig 6 : a Ópera de S. Carlos a construção de uma ópera pela burguesia que Pombal favorecera transporta consigo toda uma nova ideologia:”  O estilo neoclássico servia assim uma empresa burguesa e laica, ao mesmo tempo que o barroco satisfazia um iniciativa áulica e sacra.. E note-se que o nome do teatro retoma o princípio que fizera edificar a régia estátua equestre no centro duma praça dita do Comércio”  13.
                                                                                                                                                                                                                                                   
Há uma manifesta e evidente crise ideológica no início do XIX e a impulsão do país por uma nova burguesia. Estamos em pleno anunciado fim do ancient régime e com ele anuncia-se a introdução de novos conceitos ideológicos e sociais que afectam a economia nacional.

Para além desta nova génese social, em 1807 e 1809 ocorrem as invasões napoleónicas que, conjuntamente com a acção libertadora das forças aliadas comandadas pelo duque de Wellington, deixam o país devastado 14.



Fig 7 : Alegoria ao exército português, em memória e triunfo da Guerra Peninsular de Luís Gonzaga Pereira (1826)

A crise económica e institucional em Portugal continental agrava-se com a permanência da corte portuguesa no Brasil, o que fortalece as ideias liberais no país, conduzindo à Revolução do Porto (1820). A mudança para uma ideologia essencialmente burguesa, se já é demonstrada por Pombal, é devidamente incrementada pelo Sinérdio portuense 15 , doutrinado por homens de leis e de negócios, e que funcionou como motor à revolução liberal de 1820 16. É o Vintismo 17 que promove o retorno do soberano à Europa (1821). Neste período a situação económica de Portugal é agravada com a independência do Brasil em 1822 sob a liderança do futuro Imperador D. Pedro I (D. Pedro IV de Portugal: primogénito de D. João VI).


Fig 8: "O triunfo maior da Lusitânia": Alegoria da Constituição. Gravura de Constantino Fontes segundo desenho de Luíz António (1821)

Todo este quadro de instabilidade centraliza-se na cidade do Porto e depois das lutas externas o combate interno continua a sacrificar o país.

O Paradigma entre o ancient régime e o liberalismo em termos sociais e ideológicos intensifica-se após a morte de D. João VI em 1826. O jovem príncipe D. Miguel personifica a monarquia plenipotenciária e absolutista em oposição a D Pedro, a personificação do regime liberal vigente pela Carta Constitucional de 1822  18.

É nestas lutas que em 24 de Julho de 1832 se dá o incêndio do convento de S. Francisco que, exceptuando a igreja, ficou reduzido a uma ruína.

É nesta nova sociedade que se alicerça o novo regime “uma burguesia de barões e financeiros” 19 , onde o mercado comercial e monetário se vê a braços com as necessidades da sua regulação perante a lei; e é com esse objectivo que é estrategicamente fundada a 24 de Dezembro de 1834 o sucessor da Juntina: a Associação Comercial 20.

Só a 6 de Agosto de 1842 é que têm início as obras definitivas à construção do edifício a edificar, para o efeito, sob os terrenos do extinto Convento e cedidos por despacho legal da rainha D. Maria II 21.

O Palácio da Bolsa é, manifestamente, um trabalho edificado pelos maiores nomes associados à defesa do comércio nacional, pelos maiores nomes da arte portuguesa para além de toda uma mole de artistas, artesãos e operários anónimos que durante 62 anos permitiram e asseguraram a materialização de uma ideia através da engenharia, arquitectura e artes nacionais.
Entre o início da obra em 1842 e a conclusão geral de 1909, passaram as determinações de arquitectos/engenheiros como Joaquim da Costa Lima Júnior, Gustavo Adolfo Gonçalves e Sousa, Tomás Augusto Soller, José Macedo Araújo Júnior, Joel da Silva Pereira e José Marques da Silva, pintores como António Carneiro, António Ramalho, Luigi Maninni, Veloso Salgado e Marques de Oliveira entre outros, escultores como Teixeira Lopes e Soares dos Reis e toda uma massa de artífices liderados por artistas como Jorge Pinto e Amândio Marques Pinto (mestres pintores), Joaquim José Fontes e Zeferino José Pinto (mestres entalhadores e marceneiros), António Luís Meira e Luís Pinto Meira (mestre estucador que também foi fiscal de obras e mestre modelador das ornamentações) e António Gabriel barros (mestre pedreiro)  22.

Ao longo dos 62 anos de edificação transitam várias gerações de artistas e artífices: a Bolsa funciona como um gigante atelier de consolidação artística dos mestres e de formação artística dos vários participantes na construção; estes, enquanto trabalhadores, certamente que usufruíam da aprendizagem natural que advinha do contacto com os mestres. Consequentemente, há uma visão da Bolsa como agente de formação artística e de estruturação do grau profissional dos operadores. A construção do Palácio da Bolsa funcionou como uma entidade que foi responsável pela transmissão, multiplicação e manipulação de saberes. Estamos a falar de uma mole que funcionou como uma Escola que produziu como resultado final todo o repositório de modelos que foram usados na programação formal e decorativa dos diferentes espaços do Palácio da Bolsa.


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Referências:
1 Vd. http://analisesocial.ics.ul.pt/doucentos/1223994524N9LSB7nv6Hr24ww6.pdf ( consultado em 8 de Janeiro de 2010).



2 Vd. http://pt.wikipedia.org/wiki/Bolsa_de_valores (consultado a 7 de Janeiro de 2010).


3 Pereira, José Ribeiro - 1834- 1994, 150º aniversário. Contributo para a história dos últimos 50 anos, Edição da Associação Comercial do Porto, 1992, p. 64.


4 Vd. Pereira, José Ribeiro – ob. Cit. , p.64.


5 Esse local, é onde hoje se encontra o prédio nº. 47/53 em cujo rés-do-chão existe uma passagem dessa época que ligava à Casa da Moeda. In. http://www.portoturismo.pt/index.php?m=2&s=3&c=2 (consultado a 7 de Janeiro de 2010).


6 Cardoso, António – Palácio da Bolsa, Edição da ACP, Porto, 1994, p. 26.


7 Vd. http://analisesocial.ics.ul.pt/doucentos/1223994524N9LSB7nv6Hr24ww6.pdf ( consultado em 8 de Janeiro de 2010).


8 Paço de alusão ao Paço Real.


9 IDEM- ibidem.


10 IDEM- ibidem.


11 IDEM- ibidem.


12 IDEM- ibidem.


13 O autor refere quer o nome da Ópera de S. Carlos evoca Carlota Joaquina (mulher do príncipe real. In. http://analisesocial.ics.ul.pt/doucentos/1223994524N9LSB7nv6Hr24ww6.pdf ( consultado em 8 de Janeiro de 2010).


14 Oliveira, Carlos - O MAGNÍFICO EDIFÍCIO – A Arte e a Iconografia do Palácio da Bolsa, ediçaodoautor@clix.pt, p. 13.


15 Grupo de personalidades portuenses que, em 24 de Agosto de 1820, protagonizaram na cidade do Porto a revolta que viria a instaurar o regime liberal em Portugal, na sequência de uma tentativa de sublevação anti-britânica falhada pelo general Gomes Freire de Andrade em 1817. Os abusos dos ingleses mantiveram-se desde essa altura, tal como a miséria pública e a necessidade de reformas urgentes. É assim fundado o Sinédrio, em 22 de Janeiro de 1818, por quatro maçons do Porto - Fernandes Tomás, Ferreira Borges, Silva Carvalho, todos juristas, e Ferreira Viana, comerciante. In http://www.infopedia.pt/$sinedrio (consultado a 8 Janeiro de 2010).


16 Vd. Cardoso, António - ob. Cit. , p.13.


17 “ Vintismo é a designação genérica dada à situação política que dominou Portugal entre Agosto de 1820 e Abril de 1823, caracterizada pelo radicalismo das soluções liberais e pelo predomínio político das Cortes Constituintes, fortemente influenciadas pela Constituição Espanhola de Cádis. O vintismo iniciou-se com o pronunciamento militar do Porto de 24 de Agosto de 1820, que conduziu à formação da Junta Provisória do Governo Supremo do Reino presidida pelo brigadeiro António da Silveira Pinto da Fonseca, e terminou com a Vilafrancada, quando a 27 de Maio de 1823 o infante D. Miguel encabeça, em Vila Franca de Xira, uma sublevação militar que leva à abolição da Constituição Política da Monarquia Portuguesa de 1822 e ao restabelecimento, ainda que mitigado, do absolutismo. (…) O objectivo deste movimento era regenerar a pátria, apelando à aliança do rei com as forças sociais representadas nas Cortes. Da convocação destas novas cortes esperava-se uma sábia constituição, propiciadora de uma governação justa e eficaz. O que caracteriza o Vintismo é o grande número de militares e profissionais liberais que participam no processo político. Propõe o fim do absolutismo e o retorno do rei D. João VI para Portugal.” In http://pt.wikipedia.org/wiki/Vintismo (consultado a 8 de Janeiro de 2010).


18 Uma constituição onde a autoridade real é limitada e que cede a sua supremacia ao regime parlamentar. Vd. Cardoso, António - ob. Cit. , p.13.


19 IDEM - ibidem p.14.


20 Os mercadores portuenses que haviam perdido a Casa da Bolsa do Comércio e perante essa situação viram-se obrigados a discutir os seus negócios ao ar livre, na rua dos ingleses (a Juntina dos ingleses). Vd. IDEM - ibidem. p.14.


21 Vd. Pereira, José Ribeiro - ob. Cit. , p. 65.


22 BASTOS, CARLOS - Associação Comercial do Porto – resumo histórico da sua actividade desde a sua fundação, Edição da Associação Comercial do Porto, 1947, p. 200.  e OLIVEIRA, Carlos - ob. Cit. , p. 24, 26 e 28.



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"Great big rockets jet through the summer sky


So get on your bike and ride to the junior high

Under the desk, head on your inner thigh

You could ask why

But it's too hard to think

And you're too sad to speak

And too scared to cry

Make a chrysanthemum of every human head "

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